Nas últimas semanas, o mercado global recebeu a notícia de que a incorporadora imobiliária Evergrande, uma das maiores do setor de construção chinês, muito provavelmente não terá como honrar com sua dívida bilionária, que passa dos US$300 bilhões.
No dia 20 de setembro, quando o problema veio à tona, as bolsas de valores tiveram uma das maiores quedas simultâneas desde o surgimento da pandemia de Covid-19.
Alguns setores do mercado financeiro temem que esse seja o estopim de uma crise imobiliária na China, assim como ocorreu nos Estados Unidos em 2008. Contudo, é necessário analisar as especificidades e diferenças do cenário chinês.
Por isso, neste artigo vamos tratar sobre o que é a crise da Evergrande e quais são seus possíveis impactos no cenário mundial.
O cenário chinês das últimas décadas
Nas últimas quatro décadas, a China apresentou um crescimento econômico elevado e contínuo, o que se refletiu no aumento da renda populacional e, também, da sua classe média.
Naturalmente, com o aumento da renda acontecendo de forma sustentável nos últimos anos, a sociedade e as empresas começaram a pegar empréstimos consideráveis para poder comprar e investir em imóveis.
E essa compra de imóveis próprios costuma ser o sonho da classe média, o que faz com que a demanda por eles aumente, principalmente se levarmos em consideração o cenário chinês de déficit habitacional bastante expressivo.
O que é uma crise imobiliária?
A demanda por imóveis costuma crescer mais rapidamente do que a oferta, o que faz com que os preços subam, e mais pessoas e empresas, nacionais e internacionais, tendem a investir nesse mercado.
Porém, o setor imobiliário precisa de oferta de crédito para construir e para vender a propriedade. E para que esse mercado seja sustentado, o crescimento precisa continuar, para que a renda e a economia nacional possam se expandir e os endividamentos sejam pagos.
A crise imobiliária começa a acontecer, normalmente, quando esse crescimento desacelera, e a renda e o caixa não são mais suficientes para cobrir os endividamentos.
O mercado chinês já vinha diminuindo seu crescimento, e a pandemia de Covid-19 impactou ainda mais a economia, tanto pelas medidas de isolamento quanto pelo desaquecimento da demanda internacional e das cadeias de valor.
E a Evergrande?
A Evergrande é uma incorporadora do setor imobiliário que foi fundada em 1996 e realizou sua expansão através do endividamento.
Hoje está com dificuldade em pagar os créditos que pegou para construir as propriedades, visto que não está conseguindo vender os imóveis na velocidade e no valor que esperava para quitar suas dívidas.
Além disso, as pessoas que compraram imóveis com a Evergrande e que estavam em fase de construção, correm o risco de que eles não sejam concluídos.
O estouro da bolha imobiliária chinesa vem sendo indicado há quase uma década, e por mais que o sistema internacional tenha percebido o problema da Evergrande há pouco mais de uma semana, os investidores e analistas já vinham observando há um tempo.
Quais são as consequências desse acontecimento?
Sabemos que a China é um importante ator no cenário internacional, tendo um papel fundamental no funcionamento do comércio exterior. Por isso, abaixo irei listar possíveis consequências para o Brasil e para os outros países, caso esse seja apenas o início do problema imobiliário:
1. Elevada desaceleração da economia chinesa
Essa é uma das consequências mais diretas desse acontecimento, e que irá impactar no estilo de vida da população chinesa, visto que a renda familiar, por exemplo, não mais apresentará o constante crescimento como vinha acontecendo nas últimas quatro décadas.
Importante ressaltar que as economias dos países são complexas e interligadas, ou seja, o que acontece em uma irá refletir, em maior ou menor grau, nas outras. Logo, a economia global, como a brasileira, estadunidense, argentina, também será afetada.
2. Problemas de oferta no comex
A China, por diversos fatores, consegue produzir e exportar produtos, principalmente tecnológicos, por um preço muito abaixo do mercado, o que permite que consigamos comprar mercadorias e matérias-primas baratas.
E com uma crise, possivelmente todas as cadeias produtivas mundiais serão afetadas, tendo em vista que todos os produtos dependem, direta ou indiretamente, de mercadorias vindas de lá.
3. Impacto nas economias nacionais
A China é um importante parceiro comercial de mais de 100 países, e, olhando para o Brasil, foi destino de mais de US$60 bilhões de exportações no ano de 2020. Fazendo um comparativo, os Estados Unidos foram destino de um pouco mais de US$20 bilhões, cerca de ⅓ do valor chinês.
A economia mundial como um todo pode se desequilibrar caso a crise realmente aconteça.
4. Menor volume de crédito para mercados emergentes
Outra possível consequência é a diminuição da oferta de crédito para mercados emergentes, como o Brasil, que são tidos como de risco. Na última década, estima-se que os chineses investiram em cerca de 176 projetos brasileiros.
Isso impacta negativamente no desenvolvimento e na economia dos Estados subdesenvolvidos.
5. Aumento da inflação na economia global
No cenário em que Estados Unidos e Alemanha, entre outros países, apresentam elevada inflação, a China era responsável por equilibrar a balança e diminuir essa taxa.
Contudo, o país asiático perdendo sua capacidade produtiva e desacelerando sua economia, tende a apresentar uma taxa maior de inflação, o que impacta no aumento das taxas de juros.
6. A situação no Brasil
A economia brasileira está entre as mais vulneráveis a uma possível desaceleração chinesa. Um pouco mais de 30% das exportações nacionais têm como destino a China, e o Brasil passaria a vender menos em termos de quantidade e de valor.
Podemos perceber que caso os cenários anteriores se confirmem, o dólar continue aumentando e o valor das commodities caindo, o Brasil encontrará uma dificuldade ainda maior de atrair investimentos estrangeiros.
Uma possível solução para reduzir os impactos é aumentar a taxa de juros nacionais, buscando, também, controlar a inflação.
E agora?
Com certeza essa é uma das situações econômicas mais complicadas que o governo de Xi Jinping enfrentou nos últimos anos. E por mais que a transparência das empresas chinesas seja menor do que as norte-americanas, o sistema bancário é mais regulamentado.
Assim como ocorreu com a quebra da Lehman Brothers nos Estados Unidos em 2008, existe uma discussão do que o Governo deve fazer: se apenas aceita que a empresa quebrou e segue o barco, como uma espécie de “aviso” às outras companhias, ou se tem o pensamento “too big to fail”, ou seja, que ela é grande demais para falir e intervém.
Devido à baixa transparência das empresas chinesas, não se sabe o real tamanho da dívida, logo, é difícil prever o posicionamento a longo prazo do governo chinês frente a essa questão. Contudo, há sinais de que a postura adotada será a de “too big to fail”, intervindo para que a crise não seja tão grande e que não afete tanto a economia chinesa e a mundial.
Como uma solução rápida, o governo chinês está vendo se há a possibilidade de uma implosão controlada da Evergrande, mas ainda não se sabe exatamente como isso aconteceria.
Além disso, essa semana o Banco do Povo da China injetou cerca de US$15,5 bilhões em recursos no sistema financeiro nacional, com o objetivo de manter a liquidez do sistema bancário. Há também a possibilidade do governo reestruturar e até estatizar a empresa, mas não é nada definitivo.
Isso reduz os elevados riscos de uma quebra imediata, porém ainda há chances de ocorrerem novos problemas que vão impactar diretamente na economia global, visto que a Evergrande pode ser apenas a ponta do iceberg.