“José é empresário, dono de uma revenda de autopeças no Rio de Janeiro. Apesar da crise, José vendia bem. O faturamento era alto. Entretanto, no fim do mês quase nada sobrava no caixa da empresa.”
Se você é empresário ou empresária na área de comércio, provavelmente já vivenciou situações como a de José. Você olha as planilhas financeiras, olha as contas a pagar, olha seu relatório de vendas, mas não consegue descobrir como, apesar de um mês de vendas bom, praticamente não existe lucro.
Voltando a José. Para desvendar esse mistério, ele resolveu contratar Valdir, um consultor conhecido na região. Ao chegar ao depósito a primeira pergunta que Valdir fez foi:
– Qual o valor do seu estoque atual?
Curiosamente, no momento que Valdir fazia essa pergunta, José tinha em sua mesa uma ordem de compra de 15 caixas de câmbio para linha Peugeot 207 / 307. José explicou a Valdir que a importadora baixou o preço para compras maiores e ele resolveu comprar 15 unidades de uma vez para manter em estoque e aproveitar o desconto. Valdir franziu a sobrancelha e levou a ponta de seus dedos até seu bigode, demonstrando já suspeitar que o problema de José está, na realidade, na gestão do estoque.
Os 3 passos essenciais para o controle de estoque
Valdir resolveu explicar a José como funciona sua consultoria. O primeiro passo seria realizar um inventário do estoque atual, pois a razão para os problemas financeiros poderiam ter origem no estoque.
1. Levantamento de Inventário
O inventário nada mais é que uma lista de produtos que estão no seu estoque. Para realizar o registro dessas informações, você pode utilizar uma planilha excel ou um software de gestão. Você também pode fazer seu inventário com uma prancheta, papel e caneta. Mas, por motivos óbvios, não é recomendado.
A planilha excel permite realizar o controle a um custo baixo, com a vantagem de ser bastante flexível. Entretanto, se houverem muitos produtos para gerenciar, pode ser difícil extrair informações. Além disso a planilha não oferece garantia a integridade dos dados. Um bom sistema de gestão de estoque controla o inventário através dos registros de entradas e saídas, fazendo com que a geração do inventário seja mais confiável.
José, por sua vez, fazia sua gestão de estoque com planilha. Entretanto, não sabia como calcular o custo médio de cada mercadoria, por isso o valor total do seu estoque não era conhecido. Como não controlava as movimentações, também não conhecia o giro dos produtos nem o estoque mínimo para reposição. Sendo assim, Valdir explicou que calcularia o inventário a partir das compras e vendas da empresa nos últimos 12 meses. Para isso, é preciso falar sobre o segundo passo do controle de estoque: o controle de todas as entradas e saídas.
2. Controle de Entradas e Saídas
Controlar as entradas e saídas facilita a geração do inventário. Também permite entender quais itens estão ganhando relevância, quais itens estão perdendo relevância, qual o giro de cada mercadoria, e até prever quando uma determinada mercadoria irá acabar para antecipar sua reposição.
Geralmente numa empresa, as compras podem ser feitas pelas seguintes formas: Compras em Quantidade, Compras Avulsas, Produção Própria ou Importação.
Não existe uma resposta definitiva para qual a melhor forma de trabalhar. Entretanto, aqui vão algumas dicas:
- Na hora de comprar em quantidade, você pode buscar associações que realizam compras em conjunto, facilitando a negociação de preços, prazos e condições de pagamento.
- Evite compras avulsas. Uma boa gestão do estoque faz com que você conheça o ponto de reposição de cada mercadoria.
- Evite ficar preso a um único fornecedor. O relacionamento é importante, mas a competitividade de ser incentivada.
- Se sua empresa realiza produção própria, conheça bem a relação entre matérias-primas e produtos acabados. Meça também o desperdício constantemente e trabalhe para reduzi-lo.
- Considere importar. Apesar da burocracia inicial, após a obtenção das licenças necessárias, você terá acesso a preços mais competitivos.
José geralmente realizava compras em quantidade, mas eventualmente precisava realizar compras avulsas pois descobria de última hora que não havia o produto em estoque. Valdir então solicitou a José todas as notas fiscais, pedidos, cupons e outros documentos de compras e vendas da empresa, para auxiliar no calcular o custo médio das mercadorias.
Valdir explicou que existem três formas de se trabalhar o estoque: PEPS, UEPS e Custo médio. PEPS (primeiro que entra é o primeiro que sai) implica em vender sempre o item mais antigo. UEPS (último que entra é o primeiro que sai) implica em vender sempre o item mais recente. Ambos os métodos implicam num controle separado por lotes, pois cada um desses lotes possui seu próprio custo ao vender (CVM – custo de mercadoria vendida).
Valdir sugeriu utilizar o método do custo médio, que consiste em recalcular o custo a cada compra considerando uma média ponderada entre o estoque atual e a nova compra. Sendo assim, a partir das entradas e saídas levantadas, Valdir montou a seguinte planilha para cada mercadoria.
Para calcular o custo médio unitário de cada produto, você deve:
I) Se for uma movimentação de entrada
Primeiramente deve-se somar o custo da movimentação ao custo do estoque atual. Tomemos como exemplo a terceira movimentação. O custo do estoque anterior era de R$500,00. Comprou-se mais R$300,00 em mercadorias, logo o custo total do estoque ficou em R$700,00. Após isso, basta dividir pela quantidade total, no caso, 130 (80 que já havia somado a 50 da nova compra) e chega-se no valor de R$5,39.
II) Se for uma movimentação de saída
As movimentações de saída não alteram o custo médio unitário, somente o custo médio total, visto que a quantidade total da mercadoria foi subtraída.
Com a planilha fornecida por Valdir, José começou a fazer o trabalho, mas logo as demandas do dia-a-dia começaram a consumi-lo. Mal ele atualizava o inventário de um produto e já chegava um pedido de venda de um cliente que incluía aquele produto. Carlos, responsável pela área de vendas, também esqueceu de passar a informação de algumas vendas para José. Em pouco tempo o estoque estava novamente desatualizado.
Valdir sugeriu que José fizesse o levantamento do inventário num final de semana. Por sorte, havia um feriado na segunda e José teve três dias para trabalhar sem interromper o andamento do negócio. Após trabalhar duro fim de semana e feriado, José conseguiu deixar seu inventário pronto. Quando totalizou o custo de seu estoque, Jo?e deve uma grande surpresa com o valor que a planilha apresentava.
R$ 1.071.560,57
Sim, José tinha mais de R$ 1 milhão de reais em estoque. Valdir disse:
– É por isso que mesmo vendendo você não vê o dinheiro, José. O dinheiro está todo parado no seu estoque.
Após a incrível constatação, José finalmente entendeu o motivo de sua empresa não dar lucro. Seu lucro ficava, mês a mês, parado em forma de estoque. Alguns produtos estavam parados a mais de um ano.
Diante disso, Valdir e José elaboraram uma grande promoção, oferecendo produtos com descontos de 10% a 50%. Alguns produtos chegaram até mesmo a serem vendidos com preço de custo. Com a promoção, José conseguiu liquidar 50% do seu estoque e ainda levantou algum capital. Pelo primeiro mês o caixa foi positivo.
A partir daí Valdir orientou que José tomasse algumas ações para que a empresa não mais perdesse a gestão do estoque:
- Uma pessoa deverá ser responsável pelo controle do estoque.
- 100% das entradas e saídas do estoque teriam que ser registrados na planilha de movimentações de estoque e a planilha com inventário também deveria ser atualizada.
- Devem ser mantidas cópias das planilhas de inventários com o fechamento de cada mês.
- A cada seis meses deverá ser realizada uma recontagem do estoque, para verificar se a planilha de inventário continua correta.
Lição aprendida: O inventário só fica atualizado controlando TODAS as entradas e saídas.
3. Planejamento de reposição
Com o estoque sob controle, logo no primeiro mês após a liquidação, José notou que seu custo do total de estoque continuava aumentando. Mas agora ele tinha informações para agir antes que ficasse novamente com R$ 1 milhão parado em estoque e a empresa voltasse a dar prejuízo.
Valdir então explicou que João precisava planejar a reposição de estoque. Excesso de produtos em estoque é prejuízo, mas a falta de produtos pode acarretar em perda de vendas. João vendia bem justamente porque sempre tinha os produtos em estoque para atender seus clientes. João então perguntou a Valdir:
– É possível eu sempre ter o produto em estoque para atender meus clientes, mas não gerar custos desnecessários?
Então Valdir explicou a João que sim, existe uma quantidade mínima a ser mantida no estoque para cada produto. Valdir criou então mais três colunas na planilha de produtos: “tempo de reposição”, “tempo estimado para esgotamento” e “estoque mínimo”.
O tempo de reposição foi calculado observando os históricos de atendimento dos fornecedores. Em média, quanto tempo um fornecedor leva para atender um pedido? Valdir citou como exemplo as 15 caixas de câmbio da linha Peugeot 207 / 307 que José havia comprado. O fornecedor demora, em média, 10 dias para atender um pedido de reposição de caixas de câmbio. Sendo assim, o campo “tempo de reposição” foi preenchido com o valor 10 dias. Observando as vendas deste produto, percebeu-se que, na média, existe uma venda a cada 5 dias. Dividindo-se 10 por 5, chegamos a 2. Isso significa que 2 é meu estoque mínimo para o produto caixas de câmbio da linha Peugeot 207 / 307, pois quando esse estoque chegar a duas unidades o fornecedor levará 10 dias para me entregar, que na média é justamente o tempo de eu vender 2 unidades.
A partir dessa informação, José percebeu o péssimo negócio que fez. Já tinha 30 caixas de câmbio em estoque e ainda comprou mais 15 tentando aproveitar a promoção. Ficou com um total de 45 caixas de câmbio que levarão 225 dias para se esgotar.
Valdir criou uma formatação condicional na planilha de forma que sempre que um item em estoque estivesse próximo ao estoque mínimo a linha ficaria amarela, e quando estivesse abaixo do estoque mínimo, a linha ficaria vermelha. Valdir explicou que o mesmo conceito poderia ser aplicado ao estoque máximo, mas isso não estava no escopo inicial da consultoria.
Cuidado com a sazonalidade!
A média pode não funcionar bem para itens com alta sazonalidade. Caixas de câmbio talvez não tenham muita variação na demanda ao longo dos meses, mas talvez os filtros de ar condicionado sejam trocados mais frequentemente no verão. Sendo assim, é importante observar para cada produto se existe histórico de sazonalidade e aperfeiçoar o modelo de previsão de demanda.
Resultados
1 ano após a consultoria José conseguiu reduzir o custo de seu estoque de forma que agora ele varia entre R$ 150 mil e R$ 200 mil.
Com o fluxo de caixa positivo, José conseguiu juntar recursos e agora está expandindo o negócio de distribuição para outras cidades.
O nome Valdir está na boca do povo. José recomendou seus serviços para a importadora que fornece as autopeças. O dono da importadora conhecia alguém ligado a uma multinacional que o recomendou para lá. Valdir agora contratou três pessoas para trabalhar com ele e expandiu seus negócios.
Com o aumento do mix de produtos, José substituiu suas planilhas por um sistema de informação online, de forma a integrar seu estoque nos diversos pontos de distribuição. As planilhas hoje estão armazenadas no diretório “relíquias”.
Até hoje José e Valdir se encontram para um animado churrasco uma vez por ano.
Muito bom este artigo….vou aprofundar os estudos….e repassar as informações com mais segurança aos meus clientes. Parabéns!!!!!
Muito bom este artigo….vou aprofundar os estudos….e repassar as informações com mais segurança aos meus clientes. Parabéns!!!!!
Olá Maria Aparecida!
Muito obrigado. Seu comentário nos incentiva a continuar produzindo conteúdos aprofundados sobre gestão.