I. INTRODUÇÃO
É razoável imaginar que um mesmo país que busca proteger sua indústria por meio da criação de barreiras à entrada de produtos estrangeiros, também se esforce em prol da abertura de mercados externos para seus produtos.
Essas metas concorrentes geram, de certo, muitos conflitos de interesse entre as nações. Não foi por outro motivo que ao longo do século XX, após décadas de duras negociação, foram criados organismos como a OMC 1 , a OMA 2 e a CIC 3. Essas instituições multilaterais dispõem instrumentos que permitem perseguir o equilíbrio de interesses entre seus Estados-Membros e também servem como foro para que controvérsias possam ser dirimidas.
Numa simplificação do modelo corrente de regulamentação do comércio internacional, como regra geral só existe um mecanismo legítimo para regular e buscar equilibrar o fluxo de bens entre os Estados-membros da OMC: São as alíquotas de importação!
Mesmo barreiras técnicas, sanitárias, ambientais ou medidas de salvaguarda devem obrigatoriamente seguir ritos bem determinados antes de serem legitimamente impostas.
Não raro são vistos entraves comerciais disfarçados de barreiras aparentemente legítimas, mas esse não é exatamente o escopo desse artigo.
É claro que as alíquotas são sempre objeto de duras negociações e são instrumentos muito úteis desde que as condições de mercado sejam limpas, transparentes e guiadas apenas pelos princípios da oferta e da procura.
Os já mencionados organismos internacionais dispõem de regras e mecanismos que buscam manter o equilíbrio, a clareza e a homogeneidade na aplicação de seus princípios pelos Estados-Membros.
Um desses mecanismos é o SH – Sistema Harmonizado. É ele que permite que uma mesma mercadoria seja identificada e codificada de maneira homogênea e harmônica pelos signatários do AVA-GATT- 1994. Ou seja, uma motocicleta de 180cc é identificada e codificada da mesma maneira seja nos Estados Unidos da América, seja na República Popular da China.
Outro mecanismo previsto é a Medida Antidumping. Essa medida busca proteger a indústria local de um eventual país importador contra a ilegal pratica de dumping por parte de um exportador. O Dumping 4 é a redução artificial do preço das mercadorias negociadas, sujeitando a aludida indústria local a uma concorrência desleal.
Finalmente, o Valor Aduaneiro, que é a base de cálculo dos direitos sobre a importação, é submetido, por força do GATT-1994, a uma metodologia homogênea de cálculo entre os Estados-membros.
Não poderia ser diferente. Não haveria qualquer sentido uma regulação do comércio internacional por meio de alíquotas se não houvesse uma metodologia homogênea a respeito da construção da base sobre a qual, eventualmente, incidem os tais percentuais para o cálculo dos direitos aduaneiros.
Nesse Artigo não serão detalhados os métodos substitutivos de valoração aduaneira, nem os procedimentos relativos aos Regimes Aduaneiros Especiais.
II. INTRODUÇÃO – A BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO
Os termos do GATT-1947 foram admitidos no direito brasileiro por meio da Lei 313/1948. O GATT-1947 tem, em sua estrutura, o Artigo VII – Valor Para Fins Alfandegários.
Entretanto, apenas por ocasião da conclusão do GATT-1994, que incorporou o GATT-1947, é os Estados-Membros decidiram implementar o mencionado Artigo VII:
“(…) ATA FINAL EM QUE SE INCORPORAM OS RESULTADOS DA
RODADA URUGUAI DE NEGOCIAÇÕS COMERCIAIS
MULTILATERAIS
…………………………………………………………………………….
Anexo 1A:
…………………………………………………………………………….
Acordo para Implementação do Artigo VII do GATT-1994. (…)”
Cabe asseverar que a Lei 5.172/1966, o denominado CTN – Código Tributário Nacional, prevê, em seus Artigos 96 e 98, que os Acordos Internacionais prevalecem sobre as Leis Complementares, em eventuais contradições entre esses diplomas legais.
A aludida Ata Final foi aprovada pelo Decreto Legislativo 30/1994 e promulgada pelo Decreto 1.355/1994. Ou sejam, seus dispositivos são partes integrantes do ordenamento jurídico brasileiro. Não são meras sugestões ou palpites.
Por esses instrumentos, estão válidos no Brasil, desde 01/01/1995, O Acordo para a Implementação do Artigo VII do GATT-1994, ou simplesmente AVA-GATT-1994.
Por esse Acordo, os países-membros da OMC se comprometem a seguir suas regras tanto quanto a forma de composição da base de cálculo dos direitos de importação, assim como as regras e princípios gerais para seu controle e verificação.
No Brasil o Valor Aduaneiro é a base de cálculo do II – Imposto de Importação. Convém observar o texto do DL 37/1966:
“(…)
Art.1º O Imposto sobre a Importação incide sobre mercadoria
estrangeira e tem como fato gerador sua entrada no Território
Nacional.
Art.2º A base de cálculo do imposto é:
…………………………………………………………………………….
II – quando a alíquota for "ad valorem", o valor aduaneiro apurado
segundo as normas do art. 7º do Acordo Geral sobre Tarifas
Aduaneiras e Comércio GATT. (…)”
III. OS MÉTODOS DE APURAÇÃO DO VALOR ADUANEIRO
A regulamentação brasileira para apuração do Valor Aduaneiro é descrita nos seguintes dispositivos legais:
- AVA-GATT- 1994;
- Decreto 6.759/2009, em seus artigos 77 a 89
- INSRF 318/2013; e
- INSRF 327/2003, em seus artigos 4 o a 28.
A metodologia de apuração do Valor Aduaneiro envolve, basicamente:
- O Método do Valor de Transação5 ; e
- Os Métodos Substitutivos de Valoração Aduaneira6.
Se o Valor Aduaneiro não puder ser determinado pelo Primeiro Método, deve-se recorrer, sequencialmente, aos Métodos Substitutivos.
São cinco os Métodos Substitutivos:
- Método das Mercadorias Idênticas – Artigo 2;
- Método das Mercadorias Similares – Artigo 3;
- Método do Valor Dedutivo – Artigo 5;
- Método do Valor Computado – Artigo 6; e
- Método Residual ou dos Critérios Razoáves – Artigo 7.
Neste ponto, convém destacar as limitações do método previsto no Artigo 7:
O valor aduaneiro definido por esse método não pode ser baseado:
- No preço de venda no país de importação de mercadorias nele produzidas;
- Num sistema que preveja a adoção do maior entre dois valores alternativos;
- No preço da mercadoria no mercado interno do país de exportação;
- No custo diferente daquele computado tal qual as regras do Artigo 6 para mercadorias idênticas ou similares;
- No preço para exportação para país diferente do país de exportação;
- Em valores aduaneiros mínimos; e
- Em valores aduaneiros arbitrários ou fictícios.
É permitida a inversão entre os Artigo 5 e 6, desde que solicitado pelo importador e autorizado pela Autoridade Aduaneira.
Independentemente do método de valoração, na apuração do Valor Aduaneiro, serão incluídos os seguintes elementos:
- Custo do transporte das mercadorias até o recinto alfandegado onde deverão ser cumpridas as formalidades de entrada no território nacional;
- Gastos relativos a carga, tais como manuseio, além de carga e descarga associados ao mencionado transporte; e
- Custo do seguro referentes ao transporte e manuseio, carga e descarga.
Por outro lado, não serão incluídos no Valor Aduaneiro, desde que documentalmente comprovados:
- Custos de seguro e transporte no território aduaneiro;
- Custos de instalação e assistência técnica após a importação; e
- Juros de financiamento, estabelecidos por escrito e compatíveis com a natureza da operação.
IV. O SISCOMEX
O SISCOMEX, em seu módulo importação, dispõe de mecanismos que auxiliam na correta declaração do valor aduaneiro. São os campos de:
- Informação do valor da mercadoria como comercializada;
- Designação da INCOTERM da negociação;
- Informação de eventuais ajustes de decréscimo ou acréscimo;
- Informação do frete e seguro internacionais efetivamente pagos; e
- Taxa de câmbio aplicável 7 .
A expressão VMLD – Valor da Mercadoria no Local de Desembarque, quando todas as informações são declaradas corretamente pelo importador, coincide com o valor aduaneiro, na moeda estrangeira, do total de mercadorias amparados pela DI – Declaração de Importação.
Esse valor em reais é aquele mostrado no campo “VALOR TOTAL DA IMPORTAÇÃO (R$)”, do bloco “3. DADOS SOBRE A CARGA” do CI – COMPROVANTE DE IMPORTAÇÃO.
V. ARTIGO 1 – MÉTODO DO VALOR DE TRANSAÇÃO
O valor de transação é o valor efetivamente pago ou a pagar pelos bens importados, ajustado pelos elementos previstos no Artigo 8 do Acordo.
Para que o uso do Primeiro Método seja adequado, é preciso que as seguintes condicionantes sejam atendidas:
- Há operação de compra e venda, com efetiva transferência de bens;
- Não há vinculação entre as partes compradora e vendedora;
- Há vinculação entre as partes compradora e vendedora, mas essa vinculação
não afeta o preço pago ou a pagar; e - A venda ou o preço pago ou a pagar não estão condicionados a alguma contraprestação por parte do comprador para a qual não se possa aferir um valor em relação a mercadoria.
A análise da vinculação entre as partes atende a critérios bem definidos. Esses critérios estão descritos no Parágrafo 4 do Artigo 15 do AVA GATT e no Artigo 17 da INSRF 327/2003.
Diferenças comprovadas entre níveis comerciais e quantidades comercializadas que possam afetar o preço, também devem ser levadas em conta.
Por exemplo, se o comprador perceber um desconto, seja por conta da quantidade adquirida ou por conta da sua condição de atacadista, que não seja extensivo a qualquer outro comprador na mesma época, o Primeiro Método deve ser descartado em detrimento do uso do Segundo Método ou dos métodos seguintes.
Descontos dessa natureza são chamados de “descontos não incondicionais”. Apenas descontos incondicionais (válidos para todos, sem qualquer contrapartida ou condicionante) são admissíveis no Primeiro Método.
O valor pago ou a pagar deverá ser ajustado mediante o acréscimo dos seguintes, e somente dos seguintes, elementos, que devem estar baseados exclusivamente em dados objetivos e quantificáveis8 (Artigo 8 do AVA-GATT):
- Quando suportados pelo comprador, mas que não estejam incluídos no preço a pago ou a pagar pelas mercadorias:- Comissões e corretagens, exceto as comissões de compra9;
– Custos de embalagens e recipientes que forme um todo com a mercadoria;
– Custos dos serviços de embalar; - Os valores devidamente atribuídos, que não estejam incluídos no preço a pago ou a pagar pelas mercadorias, dos materiais e serviços a serem utilizados na produção e na venda para exportação das mercadorias importadas, quando forem fornecidos, direta ou indiretamente, pelo comprador (importador) gratuitamente ou a preços reduzidos:- Materiais, componentes e partes incorporados às mercadorias importadas;
– Ferramentas, matrizes e moldes necessários a fabricação das mercadorias importadas;
– Insumos consumidos na produção das mercadorias importadas; e
– Projetos de pesquisa, engenharia e desenvolvimento, trabalhos de arte de design, desenvolvidos fora do país de importação, e que sejam necessários à produção das mercadorias importadas; - Royalties e direitos de licença que o importador deva pagar, direta ou indiretamente, como condição de venda dessas mercadorias, na medida em que não estejam incluídos no preço pago ou a pagar; e
- Qualquer parcela do resultado da revenda, cessão ou utilização das mercadorias importadas que sejam revertidas direta ou indiretamente ao vendedor.
VI. O COMITÊ DE VALORAÇÃO ADUANEIRA
Com o propósito de administrar o AVA-GATT e solucionar controvérsias, há, no âmbito da OMC, um Comitê de Valoração Aduaneira, instituído conforme previsão no Parágrafo 1 do Artigo 18 do Acordo.
O Comitê de Valoração Aduaneira é assistido tecnicamente pelo Comitê Técnico de Valoração Aduaneira do OMA instituído conforme previsão no Parágrafo 2 do Artigo 18 do Acordo.
A RFB divulga os Atos emanados por esses dois Comitês, os quais deverão ser observados na apuração do valor aduaneiro. A divulgação mais recente foi feita por meio da edição da INSRF 318/2003, cujo Anexo Único traz vários atos emanados pelo Comitê de Valoração Aduaneira da IV Conferência Interministerial (OMC) e do Comitê Técnico de Valoração Aduaneira da OMA.
VII. O CONTROLE DO VALOR ADUANEIRO
A fiscalização e o controle aduaneiro são atribuições constitucionais do Ministério da Fazenda, conforme artigo 237 da Carta Magna:
“(…)
“Art. 237. A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior,
essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão
exercidos pelo Ministério da Fazenda. (…)”
A aplicação da legislação aduaneira está a cargo da Secretaria da Receita Federal do Brasil, conforme dispõe o artigo 15, III do Anexo I ao Decreto 7.482/2012, que aprova a estrutura regimental do Ministério da Fazenda:
“(…)
Art. 15. À Secretaria da Receita Federal do Brasil compete:
……………………………………………………………………………………………..
III – interpretar e aplicar a legislação tributária, aduaneira, de custeio
previdenciário e correlata, editando os atos normativos e as
instruções necessárias à sua execução; (…)”
O Regimento Interno da RFB, aprovado pela Portaria MF 203/2012, reflete essa prerrogativa, conforme seu artigo 1 o , XVII e XVIII:
“(…)
Art. 1º A Secretaria da Receita Federal do Brasil RFB, órgão
específico singular,
diretamente subordinado ao Ministro de Estado da
Fazenda, tem por finalidade:
……………………………………………………………………………..
XVII dirigir, supervisionar, orientar, coordenar e executar os serviços de administração,
fiscalização e controle aduaneiros, inclusive no que
diz respeito a alfandegamento de áreas e recintos?
XVIII dirigir, supervisionar, orientar, coordenar e executar o controle
do valor aduaneiro e de preços de transferência de mercadorias
importadas ou exportadas, ressalvadas as competências do Comitê
Brasileiro de Nomenclatura? (…)”
Ou seja, o mencionado controle do valor aduaneiro é prerrogativa institucional da RFB e não de qualquer outro órgão da Administração.
Por sua vez, a RFB, de acordo com as prerrogativas a ele conferidas pelo Ministério da Fazenda, regulamentou formas e procedimentos para o controle do valor aduaneiro, por meio da edição da INSRF 327/2003.
No modelo atual vigente, o controle do valor aduaneiro é procedido em verificações pós-despacho, levado a cabo por unidade da RFB com jurisdição sobre o domicílio fiscal do importador e que possua atribuição para executar a fiscalização aduaneira, conforme o disposto no artigo 31 da mencionada INSRF:
“(…)
“Art. 31. Os procedimentos fiscais para verificação da conformidade
do valor aduaneiro declarado às regras e disposições estabelecidas
na legislação serão realizados após o despacho aduaneiro de
importação, sob a responsabilidade da unidade da SRF com
jurisdição sobre o domicílio fiscal do importador e que possua
atribuição regimental para executar a fiscalização aduaneira
(original sem grifo). (…)”
A RFB, em nome da celeridade do despacho e, tendo em vista a complexidade e o tempo demandando incompatíveis com os padrões internacionais de celeridade exigidos pela Aduana moderna, institui que o exame do valor aduaneiro se depois da mercadoria já entregue ao interessado.
Esse tipo de verificação é feito durante os necessários procedimentos de Revisão Aduaneira, aos quais estão sujeitos quaisquer despachos de importação. A Revisão Aduaneira é um tipo de ação fiscal, prevista no Artigo 638 do Decreto 6.759/2009 e nos artigos 2 o e 3 o da Portaria Coana 2/2005:
Art. 638. Revisão aduaneira é o ato pelo qual é apurada, após o
desembaraço aduaneiro, a regularidade do pagamento dos impostos
e dos demais gravames devidos à Fazenda Nacional, da aplicação de
benefício fiscal e da exatidão das informações prestadas pelo
importador na declaração de importação, ou pelo exportador na
declaração de exportação.
Art. 2º As atividades referidas no art. 1º compreendem:
I – Pesquisa fiscal aduaneira, que consiste na coleta e análise de
informações com vistas à seleção de sujeitos passivos para
fiscalização e no preparo do procedimento fiscal?
…………………………………………………………………………….
Art. 3º A pesquisa fiscal aduaneira será executada com base nas
linhas e projetos de pesquisa definidos no Anexo I a esta Portaria,
que se encontram dispostos nos seguintes grupos:
…………………………………………………………………………….
IV revisão aduaneira: consistem em reexaminar as informações
prestadas por ocasião do despacho de importação ou exportação, relativas a:
a) base de cálculo dos tributos e direitos comerciais incidentes
(original sem grifo)? (…)”
VIII. SUBVALORAÇÃO E SUBFATURAMENTO
É muito importante não confundir esses dois conceitos. A subvaloração diz respeito à mera não conformidade do valor aduaneiro declarado às regras do AVA-GATT.
Nas situações em que as informações prestadas e declaradas pelo importador são fieis e verdadeiras e não há indícios do contrário, há mera violação do AVA- GATT.
O valor aduaneiro declarado, nesse caso, pode necessitar de ajustes, conforme o disposto no Artigo 8 do Acordo, ou, ainda, sua determinação conforme algum dos métodos substitutivos.
Já a fraude no valor aduaneiro (subfaturamento) acontece quando as informações prestadas e declaradas pelo importador não são fieis e verdadeiras, ou seja, há fraude, sonegação ou conluio.
Nesse caso, o AVA-GATT pode ser afastado, pelos termos do Artigo 17 do próprio Acordo e do artigo 38 da INSRF 327:
“(…)
Art. 38. O disposto nesta norma não se aplica aos casos em que se
verifique elemento indiciário de fraude, sonegação ou conluio,
envolvendo o valor aduaneiro declarado, hipótese em que serão
adotados, pela autoridade aduaneira da unidade da SRF que
identificar o fato, os procedimentos especiais de controle aduaneiro
previstos na legislação específica (original sem grifo). (…)”
Nesse ponto cabe observar o disposto no artigo 23 da INSRF 680/2006:
“(…)
Art. 23. Na hipótese de constatação de indícios de fraude na
importação, independentemente do início ou término do despacho
aduaneiro ou, ainda, do canal de conferência atribuído à DI, o
servidor deverá encaminhar os elementos verificados ao setor
competente, para avaliação da pertinência de aplicação de
procedimento especial de controle. (…)”
Ou seja, se em qualquer momento desde a chagada da mercadoria e antes de sua entrega ao importador, a Autoridade Aduaneira entender que há indícios de falsidade material ou ideológica da fatura comercial, o despacho aduaneiro poderá ser interrompido e submetido ao PECA – Procedimento Especial de Controle Aduaneiro, de acordo com o rito estabelecido na INRFB 1.169/2011:
“(…)
Art. 1º O procedimento especial de controle aduaneiro
estabelecido nesta Instrução Normativa aplica-se a toda operação de
importação ou de exportação de bens ou de mercadorias sobre a qual
recaia suspeita de irregularidade punível com a pena de perdimento,
independentemente de ter sido iniciado o despacho aduaneiro
ou de que o mesmo tenha sido concluído.
Art. 2º As situações de irregularidade mencionadas no art. 1º
compreendem, entre outras hipóteses, os casos de suspeita quanto à:
I – autenticidade, decorrente de falsidade material ou ideológica, de
qualquer documento comprobatório apresentado, tanto na importação
quanto na exportação, inclusive quanto à origem da mercadoria, ao
preço pago ou a pagar, recebido ou a receber (original sem grifo)?
(…)
O PECA foi instituído a partir da regulamentação do Artigo 68, Caput e Parágrafo Único, da MP 2.158-35/2001:
“(…)
Art. 68. Quando houver indícios de infração punível com a pena de
perdimento, a mercadoria importada será retida pela Secretaria da
Receita Federal, até que seja concluído o correspondente
procedimento de fiscalização.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplicar-se- á na forma a ser
disciplinada pela Secretaria da Receita Federal, que disporá sobre o
prazo máximo de retenção, bem assim as situações em que as
mercadorias poderão ser entregues ao importador, antes da
conclusão do procedimento de fiscalização, mediante a adoção das
necessárias medidas de cautela fiscal (original sem grifo). (…)”
Ou seja, uma vez concluído o PECA e a Autoridade Aduaneira entender que não houve prática de subfaturamento, mas ainda restar dúvida a respeito de eventual violação do AVA-GATT, o PECA deve ser encerrado e as mercadorias correspondentes, desembaraçadas e entregues ao importador.
Após o desembaraço, como AFRB responsável pelo Aduaneiro não tem competência normativa ou regimental para proceder o exame do valor aduaneiro, essa Autoridade deverá preparar Representação circunstanciada para adoção das providências necessárias, conforme disposto no artigo 12 do Decreto 70.235/1972:
“(…)
12. O servidor que verificar a ocorrência de infração à legislação
tributária federal e não for competente para formalizar a exigência,
comunicará o fato, em representação circunstanciada, a seu chefe
imediato, que adotará as providências necessárias (…)”
Entretanto, se o AFRB julgar ter colecionado elementos suficientes para demonstrar e provar a prática do subfaturamento, o PECA deverá ser encerrado “com resultado”, após a devida proposição das penalidades cabíveis, mediante lavratura de Auto de Infração.
IX. PENALIDADE CABÍVEL AO SUBFATURAMENTO:
Existe uma controvérsia jurídica a respeito de qual deva ser a penalidade cabível a prática de subfaturamento:
Alguns agentes fiscais entendem que a falsificação da fatura comercial, seja ela material ou ideológica, por conta de conluio como o exportador, é passível da pena de perdimento, por conta do disposto no Artigo 689, VI do Decreto 6.759/2009:
“(…)
Art. 689. Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas
seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário:
……………………………………………………………………………..
VI – estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, se
qualquer documento necessário ao seu embarque ou desembaraço
tiver sido falsificado ou adulterado (original sem grifo); (…)”
Para os agentes públicos alinhados com a tese da pena de perdimento de bens, o Auto de Infração deverá seguir o rito do DL 1.455/1976.
As mercadorias correspondentes deverão ser retidas até a conclusão definitiva do julgamento do Auto, quando deverão ser entregues ao importador, em caso do aludido julgamento lhe ser favorável, ou destinada pela RFB, na situação contrária.
Outros entendem que, por conta do Princípio da Especialidade das Leis, a penalidade cabível a pratica do subfaturamento é a multa no montante de 100% da diferença entre o valor arbitrado e o valor declarado, conforme disposto no Artigo 88 da MP 2.158-35/2001:
“(…)
Art. 88. No caso de fraude, sonegação ou conluio, em que não
seja possível a apuração do preço efetivamente praticado na
importação, a base de cálculo dos tributos e demais direitos
incidentes será determinada mediante arbitramento do preço da
mercadoria, em conformidade com um dos seguintes critérios,
observada a ordem seqüencial:
I – preço de exportação para o País, de mercadoria idêntica ou
similar;
II – preço no mercado internacional, apurado:
a) em cotação de bolsa de mercadoria ou em publicação
especializada;
b) de acordo com o método previsto no Artigo 7 do Acordo para
Implementação do Artigo VII do GATT/1994, observados os dados
disponíveis e o princípio da razoabilidade; ou
c) mediante laudo expedido por entidade ou técnico especializado
(original sem grifo).
Parágrafo único. Aplica-se a multa administrativa de cem por cento
sobre a diferença entre o preço declarado e o preço efetivamente
praticado na importação ou entre o preço declarado e o preço
arbitrado, sem prejuízo da exigência dos impostos, da multa de ofício
prevista no art. 44 da Lei no 9.430, de 1996, e dos acréscimos legais
cabíveis.
Para agentes públicos alinhados com essa tese, o procedimento fiscal deve ser tal como segue:
- Se não for possível conhecer o valor real da transação, arbitrar a base de cálculo dos impostos e contribuições cabíveis conforme as regras estabelecidas no Caput e incisos do Artigo 88 da MP 2.158-35/2001;
- Formalizar a exigência do pagamento da multa; dos impostos; das contribuições e dos eventuais acréscimos legais cabíveis (juros e multa de mora);
- Caso o importador concorde com a exigência, sem a necessidade de lavratura de auto de infração, desembaraçar e entregar as mercadorias ao importador mediante a correspondente comprovação do atendimento da exigência formulada, qual seja o pagamento do credito tributário exigido.
- Caso o importador não concorde com a exigência:- Lavrar auto de infração, propondo a imputação da multa e a cobrança dos impostos, contribuições e acréscimos legais, conforme as disposições do Decreto 70.235/1972;
– Condicionar o desembaraço e entrega das mercadorias a prestação de garantia no valor total do crédito tributário exigido, conforme o disposto na Portaria MF 386/1976; e
– Impulsionar o auto de infração lavrado para as devidas instâncias de julgamento.
Esse ponto é muito controverso do ponto de vista jurídico. Entretanto, não cabe a Autoridade Aduaneira questionar a validade dos dispositivos legais aos quais está regimental e funcionalmente vinculado, no caso a Portaria 386/1976.
Não raro os importadores recorrem, com relativo sucesso, ao Poder Judiciário para questionar a garantia como condicionante para o desembaraço, mesmo porque o Auto de Infração sequer foi julgado e o crédito tributário, tampouco, definitivamente constituído.
X. VIII. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para o leitor que desejar se aprofundar no tema, recomenda-se leitura dos textos seguintes:
- Acordo para a Implementação do Artigo VII do GATT-1994; e
Atos Emanados pelo Comitê de Valoração Aduaneira (OMC) e do Comitê Técnico de Valoração Aduaneira (OMA).
1 Organização Mundial do Comércio.
2 Organização Mundial das Aduanas.
3 Câmara Internacional do Comércio.
4 É necessário evitar confundir dumping com subfaturamento. No dumping o preço é, de fato, deliberadamente reduzido abaixo do valor justo com o propósito de eliminar os fabricantes de produtos similares no país de destino. No subfaturamento, os preços expressos nos documentos comerciais são menores do que aqueles efetivamente praticados.
5 Artigo 1 do AVA-GATT – Primeiro Método.
6 Artigos 2; 3; 5; 6 E 7 do AVA-GATT.
7 As disposições sobre taxa de câmbio são encontradas no AVA-GATT, em seu Artigo 9. A taxa de câmbio é divulgada diariamente pelo BACEN (PTAX 800) e disponibilizada no SISCOMEX.
8 Não é possível presumir ou estimar ou valores.
9 Remuneração paga ou a pagar pelo comprador a seu agente pelos serviços que presta ao representá-lo no exterior, na compra das mercadorias objeto de valoração.